segunda-feira, 1 de junho de 2015

Posições do sujeito

Num texto dos Escritos, Ciência e Verdade, Lacan tem esta frase: da nossa posição do sujeito somos sempre responsáveis.

Durante a primeira guerra mundial, um jovem que tinha apenas vinte e um anos foi vítima de um projétil que  o deixou paralisado nos membros inferiores. Em vez de maldizer (mal-dizer) o destino que lhe coube em sorte, ele acabou por responder com a frase: «a minha ferida existia antes de mim, eu nasci para a incarnar» (ma blessure existait avant moi, je suis né pour l'incarner). O jovem ferido era Joë Bousquet, que viria a ser um grande poeta. E para se elevar assim à dignidade de um acontecimento, não como vítima, mas como sujeito, não será preciso um grande poeta?

O filme Mar Adentro, de Alejandro Amenábar, relata a história verídica de Ramon Sampedro, um jovem galego que ficou tetraplégico num acidente de mergulho e passou o resto da vida, cerca de trinta anos, a lutar com a justiça para que lhe fosse permitido acabar com ela. A todos aqueles que tentavam demovê-lo, ele respondia com assertividade que não queria viver daquela maneira. Sem defender qualquer valor universalizável para a sua decisão (nada kantiano, portanto), ele apenas reivindicava um direito, singular, a uma morte digna, visto que para ele a vida tinha perdido toda e qualquer dignidade.

Diferentemente de Joë Bousquet, que era um poeta, não é certo que o mesmo se possa dizer de Ramon Sampedro, ainda que ele tenha escrito inúmeros poemas. Mas uma coisa é certa: ambos foram responsáveis, embora diversamente, na medida em que não hesitaram em responder pelo que lhes aconteceu.

Tanto num caso como noutro, o sujeito não hesita em responder ao acontecimento adotando esta ou aquela posição. Não lhe cabe sempre, ou a maior parte das vezes, decidir o que vai ou não acontecer-lhe, mas cabe-lhe escolher a posição que adota frente ao que lhe acontece. Mesmo quando a posição adotada é: não quero tomar posição, não quero escolher.

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