Uma língua é feita para quê? Para nos entendermos não é certamente. Ou será que será?
Numa conversa transatlântica, mas cujos falantes habitavam a mesma língua, a saber, o português, ela disse, a certa altura, numa espécie de lamento: «Sinto que o meu dia foi improdutivo. Gostava de estudar, mas não consigo».
É verdade que o tempo é a única coisa que não estica nesta época líquida. O tempo não é de plástico. Ou será que será? Seja como for, eu perguntei: «Não comigo»?
Ela não entendeu a pergunta, o jogo de palavras. Mesmo se as regras da língua são basicamente as mesmas, nem por isso estávamos jogando o mesmo jogo de linguagem. Ou então, sendo um pouco mais preciso, a língua não tinha a mesma ressonância nem se escutava da mesma forma de um lado e outro do Atlântico. E nem o Acordo Ortográfico nos servia neste caso!
«Como», perguntou ela?
«Comigo!» Você disse: «consigo», o que neste lado do Atlântico significa também: «com você». Então, eu tomei a liberdade, a selvejaria de pensar que você não gostaria de estudar comigo.
Ela riu.
Lacan lembrava por vezes que uma análise apenas acontece numa língua particular. Por exemplo, o português. Mas tal não quer dizer que esta seja a língua comum, a língua de toda a gente, aquela que todos os falantes falam. Há na língua uma selvejaria, uma espécie de loucura que a faz sair constantemente dos eixos. Um movimento para fora dela mesma: centrífugo, êxtimo. Talvez por isso Lacan tivesse forjado o neologismo: «alíngua», numa só palavra. Podem vir os Acordos Ortográficos que quiserem que alíngua, numa só palavra, continuará eternamente a desarrumar as boas maneiras da língua.
Consta que Guimarães Rosa, que gostava de estudar línguas estrangeiras, a ponto de falar mais de dez, decidiu um dia estudar vietnamita. Tendo sido questionado a respeito, ele disse: «Para entender melhor o português.»
Fiquei de repente com vontade de estudar vietnamita. Será que consigo?
Numa conversa transatlântica, mas cujos falantes habitavam a mesma língua, a saber, o português, ela disse, a certa altura, numa espécie de lamento: «Sinto que o meu dia foi improdutivo. Gostava de estudar, mas não consigo».
É verdade que o tempo é a única coisa que não estica nesta época líquida. O tempo não é de plástico. Ou será que será? Seja como for, eu perguntei: «Não comigo»?
Ela não entendeu a pergunta, o jogo de palavras. Mesmo se as regras da língua são basicamente as mesmas, nem por isso estávamos jogando o mesmo jogo de linguagem. Ou então, sendo um pouco mais preciso, a língua não tinha a mesma ressonância nem se escutava da mesma forma de um lado e outro do Atlântico. E nem o Acordo Ortográfico nos servia neste caso!
«Como», perguntou ela?
«Comigo!» Você disse: «consigo», o que neste lado do Atlântico significa também: «com você». Então, eu tomei a liberdade, a selvejaria de pensar que você não gostaria de estudar comigo.
Ela riu.
Lacan lembrava por vezes que uma análise apenas acontece numa língua particular. Por exemplo, o português. Mas tal não quer dizer que esta seja a língua comum, a língua de toda a gente, aquela que todos os falantes falam. Há na língua uma selvejaria, uma espécie de loucura que a faz sair constantemente dos eixos. Um movimento para fora dela mesma: centrífugo, êxtimo. Talvez por isso Lacan tivesse forjado o neologismo: «alíngua», numa só palavra. Podem vir os Acordos Ortográficos que quiserem que alíngua, numa só palavra, continuará eternamente a desarrumar as boas maneiras da língua.
Consta que Guimarães Rosa, que gostava de estudar línguas estrangeiras, a ponto de falar mais de dez, decidiu um dia estudar vietnamita. Tendo sido questionado a respeito, ele disse: «Para entender melhor o português.»
Fiquei de repente com vontade de estudar vietnamita. Será que consigo?