terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Escrita inteligente?

Chamam-lhe: escrita inteligente. Eu preferia, se pudesse, chamar-lhe: uma estupidez. O disparate à solta. Quantas vezes dei por mim a escrever isto e saiu aquilo. Uma salada. Graças à escrita inteligente, eu disse mal. Ou não disse o que era preciso dizer. Ou disse outra coisa, ao lado. Ou me desentendi, me fiz desentender. Ou entender errado, ao contrário.Talvez por isso se aplique, à escrita inteligente, o termo usado por Lacan na lição de 12 dezembro de 1972 do seminário Encore: une bêtise. Prefiro, de longe, a inteligência da escrita - sempre fazendo escrever direito por linhas tortas - à escrita inteligente, sempre escrevendo torto por linhas direitas.

Ainda assim: não é verdade que a escrita inteligente, pelo menos a lógica que a sustenta, é um pouco como o inconsciente: um automatismo que faz série dos nossos acasos? De tal modo que, a partir de certa altura, até parece que já estava escrito, que a escrita tem uma inteligência que nos escapa, que nos furta, que nos fala, que nos falha. Aliás, Lacan chegou a comparar o inconsciente a uma máquina: algo movido ou trabalhando com suas leis próprias independentemente do (querer do) sujeito. Aí onde eu quero, a inteligência da máquina advém para me tramar, isto é, para enredar numa trama o que eram apenas acasos sem lei e sem sentido.

O que fazer, então, quando a escrita inteligente, na sua estupidez, me faz fal(h)ar? Habituada a mim, mais do que eu próprio, que sempre convivo mal comigo mesmo, ela convida-me a assumir o erro, o lapso, como se também me pertencesse - ou essencialmente me pertencesse - aquilo que me estranha.

Sem comentários:

Enviar um comentário