A psicanálise não teve nunca uma vida fácil. A sua história
fala por si. Tanto interna como externamente não faltam episódios complicados.
Mas hoje, em particular, todos os ventos lhe parecem desfavoráveis: desde o
discurso da ciência (apagando a singularidade do sujeito falante em nome de
procedimentos universais e quantitativos), passando pela religião (que enxerta
sentido onde os efeitos da tecnociência geram mal-estar e angústia) até ao
senso comum (ávido de soluções rápidas e baratas), tudo lhe parece contrário. E
muitas vezes, a própria tentativa de defesa dá azo para novos ataques. Por
exemplo, quando se tenta mostrar que a psicanálise também é, apesar de tudo,
uma ciência, que é uma forma de pôr sentido numa vida ou num sintoma que dele
carecem ou, enfim, que não é tão cara ou tão longa como se pensa. Creio,
pessoalmente, que este tipo de argumentos, em vez de ajudar, prejudica a
psicanálise. Não porque sejam inteiramente falsos (pode admitir-se
perfeitamente que haja uma parcela de verdade nalguns deles), mas porque deixam
de lado o que interessa reter: a psicanálise é fundamentalmente uma coisa
improvável. Freud dizia mesmo: impossível. É improvável, antes de mais, porque
é algo extremamente simples num mundo complicado: qualquer um que fale - e não
precisa de usar palavras caras, como se diz - está em princípio em condições
para entrar no dispositivo analítico. Não porque alguém o obrigue ou determine
que fale, muito menos que fale deste ou daquele tema em particular, mas porque
lhe dá a palavra, isto é, a singular oportunidade de falar à sua maneira, de
dizer a seu modo, de articular do seu jeito. E isso tem um preço: paga-se um
preço para saber o custo de certas palavras, de certas frases que nos são
caras, tão caras que parecem às vezes impossíveis de (a) pagar. E também isto
parece improvável, uma vez se paga para trabalhar. O inconsciente é um
trabalhador ideal. E até parece que se trabalha para um outro, o analista, mas
no fundo aquilo que nos obriga a trabalhar é algo mais íntimo que nós mesmos,
ainda que seja também o mais estranho. A psicanálise é algo improvável porque,
num mundo que desvalorizou de tal modo a palavra, a ponto de usar e abusar dela
a torto e a direito, continua apostada numa palavra que conta, que arranha o
corpo, capaz de acercar-se do que é mais singular a cada sujeito. Uma palavra,
uma frase, quando justas, capazes de alterar uma vida, assinalar um corte,
marcar uma diferença, liquefazer algo sólido, solidificar algo demasiado
líquido, desatar um nó górdio, atar ou reatar o que estava solto. A psicanálise
é improvável porque, numa era de loucura quantitativa, continua apostada na
fala singular de cada um; apostada em fazer emergir, no emaranhado do que nos
faz sofrer, um claro fio de Ariana. Não porque que a palavra tudo possa, pois
há algo impossível de dizer, mas porque ela sabe que pode extrair desse
impossível algo mais que um mero sofrimento, um gozo mortífero, uma inibição
impeditiva, um sintoma paralisante, uma angústia interminável, uma repetição do
mesmo. A psicanálise é improvável porque busca fazer isto sem a ciência (embora
não contra ela), sem a religião (embora sabendo que esta é imbatível como
proponente de sentido) e sem cair na tentação de prometer barato o que é caro
(mesmo quando um sujeito pode iludir-se a este respeito) ou demasiado depressa
o que exige um tempo justo. O que se pode esperar da psicanálise no século XXI,
a meu ver, não é que ela se torne finalmente numa coisa provável, mas que faça
do seu improvável algo que continue a valer a pena provar, isto é,
experimentar. Isso exige, como é natural, uma reinvenção permanente daqueles
que, do improvável, fazem causa.
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