segunda-feira, 29 de junho de 2015

O lugar é a palavra

Alguém me dizia, ontem, que à pergunta do taxista: viro à direita ou à esquerda?, ficou de repente e durante algum tempo sem saber o que responder. Como distinguir, afinal, a direita da esquerda? E não falo em sentido político, mesmo se por vezes também não é fácil.

Talvez a maior ou menor dificuldade em distinguir a direita da esquerda diga mais sobre o modo como o nosso corpo se dispõe ou relaciona com o espaço ou o lugar, e nós mesmos com o nosso corpo, do que propriamente sobre o espaço ou o lugar em si. Na realidade, não há maneira de distinguir conceptualmente direita e esquerda. A direita e a esquerda não são isto ou aquilo, uma coisa, uma substância, mas o modo como algo se situa relativamente a outra coisa, e sobretudo em relação ao nosso próprio corpo. Precisamos de ter algo como referência, um quadro, para que a direita e a esquerda venham ocupar o seu lugar.

Porém, o lugar está longe de ser algo evidente. Para o filósofo Emmanuel Kant, por exemplo, o lugar pré-existe aos objetos que o ocupam ou podem vir ocupá-lo. O espaço, enquanto conjunto de lugares possíveis, permite assim enquadrar o real, percebê-lo não já como coisas em si, mas como fenómenos, isto é, como algo enquadrado ou enquadrável. Há um elemento subjetivo, digamos, que permite recortar o real segundo um quadro prévio, dado a priori.

Eu não iria por exemplo a Madrid ver uma exposição de Carl Andre, poeta e escultor americano, se não soubesse previamente que tal exposição existia ou qual o lugar onde ela poderia ser vista. Foi esse quadro prévio que me fez dirigir ao lugar, Museu Velasquez, no Parque del Retiro, para ver uma exposição intitulada: «A escultura como lugar», retrospetiva que abrange quarenta e dois anos de trabalho do artista, de 1958 a 2010.

Diferentemente de Kant, porém, trata-se neste caso de anular, de suprimir o mais possível o elemento subjetivo, o quadro prévio, de forma a realçar a própria materialidade do objeto: geométrico, industrial, serial. Vários são os termos para nomear esta arte: minimalismo, land art, arte conceptual, enfim. O que importa captar, a meu ver, é esse esforço para reduzir ao mínimo, se não mesmo suprimir, quer o quadro (substituindo a sua disposição vertical, na parede, por um trabalho feito na horizontal, no chão), quer a subjetividade.

Perguntei-me, ao ver a exposição, melhor dizendo, instalação ou conjunto de instalações em exibição no Museu Velasquez, se não há aqui um certo paradoxo «poético». Na verdade, como não pressupor um sujeito, por exemplo aquele que olha, a quem ela é dada a ver, para que a exposição exista? Poderá uma série de objetos existir em si mesma, na sua materialidade pura, sem um olhar que os resgate?

Porventura mais até do que a arte tradicional, esta parece depender em absoluto de uma subjetivação. Uma vez que nada parece evidente nela, nem ser imediatamente reconhecível, esta carece mais do que qualquer outra, não apenas de um olhar a quem ela se dá a ver, mas igualmente de uma palavra que a situe, que a enquadre, que a localize. É por isso que, ao minimalismo da arte, acrescem comentários infindáveis, intermináveis. Quanto menos evidente é o que se expõe, mais se fala ou discorre sobre isso. A simples materialidade dos objetos é uma ilusão. Desde o impulso inicial (a ideia, a conceção, a decisão de fazer, o como, por parte do artista) até ao ato de nomear («a escultura como lugar») ou olhar e tirar ilações (por parte do espectador), tudo aqui parece dar muito que falar. Como numa psicanálise, um rodeio mais ou menos longo em torno de mínimos objetos, é a palavra que pode situar, isolar e finalmente repor a coisa no seu lugar, no lugar que lhe compete.

Deste modo, longe de ser evidente, o lugar da escultura é aqui, como diria Angelus Silesius, a palavra. O LUGAR É A PALAVRA. Eis o que não se deixa ver facilmente, tanto nesta como em muitas outras obras contemporâneas.

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