A lista não
para de aumentar: viagra, cialis, kamagra, levitra…enfim. Para já não falar de
tudo aquilo que promete engrossar, enrijecer, aumentar o órgão. Parece que
todos os dias há novos produtos, novas soluções. Aliados, o capitalismo e a
tecnociência tornam simples, embora não propriamente barato, o que fazia
outrora parte das complexidades do humano, do homem, em particular.
Muito
rapidamente, uma boa parte dos problemas sexuais de que se queixavam homens e
mulheres – sobretudo estas, durante muito tempo – vai parecer uma simples
brincadeira de crianças. Para quê gastar anos e anos de aconselhamento, ajuda,
terapia…quando basta um simples clique do rato para obter imediatamente a
recompensa, o reforço positivo, a dose certa de «potência» embalada em pequenas
cápsulas? Haverá desemprego em muitos setores, mas é inevitável. A sexologia,
por exemplo, servirá para quê? Talvez um simples programa de computador seja
capaz de gerir todo o processo...
Não quer
isto dizer que os problemas se acabem. Uma vez que o «falo» (como mostraram
Freud e Lacan) não é o órgão, pode até acontecer que a ereção do órgão, graças
ao poder do viagra, etc., acabe por aumentar no homem o sentimento de
impotência a nível mental. Mas que importa isso, se a coisa funciona, se
permite acrobacias sexuais como nunca, experimentos de todo o género e feitio,
sensação de domínio, de mestria…? E, além disso, mesmo quando a causa do
problema não é física, mas antes psíquica, quando a fala poderia ajudar a
inflar o falo, a desbloqueá-lo, para quê gastar anos e anos numa grande curva
de tempo e dinheiro quando, ao virar da esquina, ao folhear da página…um novo
produto, rápido e cada vez mais barato, nos acena? Haverá desemprego em muitos
setores, é verdade, mas é inevitável.
Porém, mesmo
se tudo vai ficar mais fácil neste domínio, ainda assim, tal não fará com que
haja «relação» sexual. O poder do viagra não faz relação sexual. Aumentar o
órgão, inflá-lo, esticá-lo, engrossá-lo…não faz relação sexual. Quer dizer:
promete ir mais fundo, mais longe, mais alto, mas, na verdade, continuará a
deixar cada um nos confins de si mesmo, entregue à idiotia do seu próprio gozo,
solitário, autoerótico, autista, no limite.
Mas tal não
é novidade. É certo que o viagra não faz relação sexual, isto é, entre os
sexos, mas nada o faz. Para o ser que fala, que é falado, que lista e se
alista, a relação sexual não existe. É o que falta na lista. O que não se
produz nem se escreve. O que não se vende nem se compra, mesmo se os mercados
também dão cartas nesta matéria. E cada vez mais.
Para aqueles
animais que são aparentemente menos problemáticos, há um saber, inscrito no
real, que lhes diz quando e como. Eles seguem um programa, a não ser que o homem
interfira, o que ocorre cada vez mais, e limitam-se a cumpri-lo. A «relação»
existe. No caso do ser humano, pelo contrário, em vez de uma relação, há um
muro. Ou, como dizia o poeta Antoine Tudal (Paris no ano 2000): «entre o homem
e o amor/existe a mulher./ Entre o homem e a mulher/existe um mundo./ Entre o homem
e o mundo/existe um muro.» (citado por Lacan em «Função Campo da Fala e da
Linguagem, Escritos).
Mesmo se a
farmacologia não serve para escrever a relação entre os sexos, permite arrojos
como nunca. E não apenas na esfera privada, mas também no campo da arte, onde a
injunção para inventar constantemente novas transgressões e provocações
artísticas faz cada vez mais parte da lista, do menu. Daí que o filósofo
esloveno Slavoj Zizek se tenha perguntado algumas vezes se o amor não seria
hoje a verdadeira transgressão. Ou, como diria John Le Carré, aquilo que ainda
se pode trair. Podemos dizer, com efeito, que há sexo seguro, mas alguém pode
garantir a segurança do amor, um amor seguro? E o que é ou seria um amor
seguro? Amar é sempre inseguro, um negócio perigoso, como diria o escritor
brasileiro Guimarães Rosa. É por isso que se tenta cada vez mais medicalizar o
amor, procurar que não se ame de mais, pois é perigoso e arriscado para o
próprio ou para outros. Além disso, o amor é algo que se esfuma, que não se
agarra, que é, parafraseando Zizek, menos
que nada. Ou, como dizia Lacan, amar
é dar o que não se tem. (Cf. Filipe Pereirinha, Zizek, Leitor de Lacan,
Colóquio Zizek – Viver perigosamente).
Talvez a
psicanálise, como lamentava a certa altura Lacan, não tenha conseguido criar
uma nova perversão, mas sem dúvida ajudou a criar as condições para o
surgimento – sempre novo, singular e contingente – de um novo amor. Se o gozo
«encapsulado» já faz parte da lista, por meio da santa aliança entre o saber da
ciência e a fúria dos mercados, o amor é o que não há na lista. Lugar de
invenção por excelência. É também assim que leio a frase de Lacan: «o amor é
poesia» (Seminário XX, Encore).
E talvez
possamos dizer: ainda bem que não há, na espécie humana, nenhuma fórmula capaz
de escrever a «relação» entre os sexos, pois, caso tal fórmula existisse, o que
nos restaria senão repetir até à exaustão, ao tédio, a mesma trilha sonora?
Sempre monótona. Sem lugar à invenção.
É,
finalmente, o que não há na lista que nos permite aspirar a fazer algo
diferente. Com todos os riscos e incertezas que isso implica. Mas o que seria
uma vida sem riscos e incertezas? Respondo: a própria a morte.
Muito bom! Gostei muito de seu texto.
ResponderEliminarGrande abraço,
Daniella Salgado; professora, enfermeira e psicanalista em formação.
Curta minha pág. https://www.facebook.com/psicanalise.em.prosa.e.verso
Me adicione: https://www.facebook.com/daniella.pietra
Obrigado, Daniela!
EliminarComo diz Filipe, com muita sabedoria amar não depende disso de um falo competente. Para resolver esse tipo de impasse nada melhor que falar... descobrir-se na fala. De qualquer modo não deixa de ser hilariante uma entrevista do Jô Soares com um cientista brasileiro (Luis de Andrada e Silva) que revelou um novo Viagra: o Viagra Caipira!!! Está sendo sintetizado em laboratório a partir de uma planta brasileira... Mas não se enganem Filipe tem razão. Lacan tem razão o amor não é isso!!! Amor é poesia, fá-lo com fala...
ResponderEliminar