sábado, 7 de junho de 2014

Obscenidades...

Durante a minha última estada em Curitiba, no Brasil, aconteceram coisas. Coisas que estavam e não estavam programadas. Coisas que havia na lista, coisas que não havia. E foram sobretudo as coisas que não havia, que não estavam programadas que tomaram conta da cena de um modo surpreendente.

Só acontecem coisas quando há uma surpresa, quando a rotina é quebrada por algo que nos revolve e ultrapassa, que nos revira de tal forma que parece que o mais íntimo  se ex-tima até ao ponto de nos acharmos exteriores a nós mesmos. Santa Teresa bem dizia isso: vivo sem viver em mim...

Uma coisa, porém, fazia antever o pior. Uma coisa de nada, ridícula. Algo para acontecer fora da cena. Uma obs-cenidade. «Obsceno. É a palavra certa. Fora da cena. Para salvarmos a nossa humanidade, certas coisas...devem permanecer fora da cena.» (Cf. J. M. Coetzee, «O problema do mal», Elisabeth Costello).

Mas não é necessário que a coisa seja grandiosa ou horrível. Pode ser apenas: cocó de pombo. Um pequeno e ridículo excremento que cai no momento errado sobre a coisa errada. O homem errado. Há sete anos que rumava àquele lugar (Universidade Federal do Paraná) e nunca me tinha acontecido uma tal...sincronização: precisamente quando me preparava para transpôr o limiar da porta, sob as arcadas, que dá acesso ao pátio interior do edifício, um pombo decide (ou não decide, o que vai dar ao mesmo) que é chegada a HORA - como diria Clarice - de satisfazer a necessidade. Os animais não fazem cerimónia nem se vestem para o evento, mesmo se ali, a pretexto de Disgrace, de J. M. Coetzee, se falou muito deles, dos animais, embora, que eu me recorde, não se tivesse falado de pombos. Só o homem, como dizia Lacan, é tão problemático na hora de largar - ou não largar - o excremento, aquilo qua está a mais no seu corpo.

O que fiz eu? Comecei por dizer - em voz baixa, é certo - uma obscenidade! Em voz alta, sorri...atrapalhado. Mas foi então que alguém declarou: «Você está com sorte!» Hein! Sorte? Porquê sorte? «Porque aqui essa coisa aparentemente suja dá sorte!».

Era então o meu dia da sorte. Um presságio escrito direito por veredas tortas.

Eu lembrava-me de Freud e de todo o género de equivalências entre o excremento e isto e aquilo: o bem, o mal, o dinheiro, o presente, o ausente...mas não me recordava de jeito nenhum que ele tivesse considerado a sorte como um dos termos.

Bom, sejamos então um pouco mais lacanianos, pensei: em boa hora (bon heur), um feliz acaso, uma sorte, caiu sobre o meu casaco, sobre mim. Em boa hora, na hora certa, a hora dele, o pombo largou sua sorte, o seu pedaço de... sorte e esta acertou-me em cheio.

Uma hora de sorte, um dia de sorte. Um homem de sorte. Uma vida de...sortes.

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