Disgrace, de Coetzee, gira em torno de múltiplos vórtices, mas também da difícil relação entre um pai (David Lurie) e a filha (Lucy). Certo dia, após a cena do estupro violento a que ela é sujeita, o pai sonha que a filha o chama, implorando que vá salvá-la. O pai recebe por esse meio a mensagem da sua própria questão, da sua impotência enquanto pai: um pai que considera ter estado basicamente ausente do percurso da filha.
Mas nem sempre a ausência é o problema. É a excessiva
presença, a presença sufocante que por vezes é o mais tóxico. Veja-se o caso de
Schreber, por exemplo, onde aquilo que é avassalador para o sujeito não é a
falta, mas antes a inexistência desta. O pai de Schreber é um pai que não falta,
que não se ausenta e, como tal, não permite que se abra uma clareira (de
desejo) onde seria possível respirar.
O pai de Kafka, no dizer deste, é também um pai sufocante,
com um peso excessivo. De tal forma que a sua obra – uma obra singular e fruto
de um desejo que vai muito para além do pai, fabricando verdadeiras (de)montrações
do real – esteve a ponto de desaparecer, como se não valesse nada…aos olhos do
pai (?)
O filme de Michael Haneke, Laço Branco, dá-nos uma versão cinematográfica
do pai que, em vez de faltar, de se ausentar, castiga, furiosa e cruelmente, toda
a manifestação do desejo em nome do «bem».
Gonçalo M. Tavares, em Aprender
a Rezar na Era da Técnica, fala-nos de um pai que, em vez de um desejo,
transmite ao seu filho uma palavra de ordem, uma frase que ordena o gozo:
«Agora vais fazê-la aqui, à minha frente.»
São apenas alguns exemplos de pais que se tomam demasiado a sério, que fazem série,
que entram numa série per-versa. Pais que se identificam em demasia com o Outro
do Outro, como diria Lacan, o Outro de uma lei cruel e obscena; não a lei do
desejo, a que permite respirar, mas a lei que comanda o gozo, que sufoca. Uma
lei de ferro que não dá tempo ou espaço ao desejo.
Quando um pai se cola demasiado ao papel, como um fato excessivamente
apertado que não o deixa respirar, acaba por também não deixar respirar os outros à sua volta. Por isso, há que ter a arte de saber ausentar-se, mesmo quando
estamos presentes, e presentificar-se, mesmo quando estamos ausentes.
Se é uma arte, não é uma ciência. Eis por que é tão difícil,
mas tão empolgante, ser um pai de jeito, sobretudo na era em que a ciência, a
tecnociência e o mercado a ela associado nos brinda e brinda os nossos filhos
com tantas coisas viciantes, como os jogos de todo o género, por exemplo.
O que é um pai, hoje? Uma coisa a inventar...
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