Tenho uma história com Herberto Hélder.
Quando era ainda estudante de filosofia, na UNL, descobri,
quase simultaneamente, duas personagens que iriam ter um forte impacto no curso
posterior da minha vida e, sobretudo, dos meus interesses: Jacques Lacan, um psicanalista,
e Herberto Hélder, um poeta. O maior psicanalista depois de Freud e o maior
poeta português depois de Fernando Pessoa: que feliz coincidência!
De Lacan, devo dizer, não conhecia praticamente nada; apenas
um livro que li numa tradução brasileira: Mais,
ainda. De Herberto Hélder nada tinha lido ainda, mas já um título me
agarrara: Poesia toda. Era como se
aquele livro, ainda fechado, contivesse a chave-mestra, a senha para aceder a toda
a poesia do mundo. Seria possível que ela, a poesia, coubesse toda num único livro?
Rapidamente descobri que se tratava de um livro em andamento,
que engordava a cada passo. Como o horizonte que se vai afastando à medida que
nos aproximamos dele, também aquele livro era irrequieto. O título marcava, de tempos a tempos, o ritmo das estações do poeta. Cada vez mais volumoso, nele cabiam os
trabalhos que o seu ofício cantante não parava de trazer a lume para nosso
contentamento.
Então, certo dia, aconteceu aquilo: atrevi-me a ler a Poesia
toda – imagine-se! – com as lentes que eu enxergava na altura em Lacan. Devo dizer
que o atrevimento me saiu caro. E por justa causa! Não só porque de Lacan eu
sabia ainda muito pouco, quase nada, se é que hoje sei muito mais, mas sobretudo porque cometi um erro de
principiante: o de pensar que a poesia é para ser compreendida. E quando se
tenta compreender a poesia, abarcá-la toda, encaixá-la nesta ou naquela redoma
de sentido, é caso para dizer, como eu ouvi, e por justa causa: delírio, isso é
apenas um delírio, um puro delírio!
Obrigado, Herberto Hélder, pela Poesia toda. Juro que não vou compreendê-la. Nem mesmo quando a poesia toda se mudou em Poemas Completos.
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