quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Fala comigo!

Ela disse: Fala comigo! Não pediu mais nada: nem joias nem diamantes. E ele: falou com ela. Falou, falou, falou. E quando, por fim, rente ao sono, deixou escorregar a fala, morto de cansaço, ela não teve dó. E insistiu: fala comigo! E ele: falou. Já não tinha mais forças. Mas, dando o que não tinha, continuou a falar. Entre o sono e a vigília, falou. Amar uma mulher é isso: falar com ela. Fala com ela, como se diz no filme de Almodóvar. O cérebro da mulher é um mistério? Fala com ela. O que quer uma mulher? Fala com ela.

E não tem mais segredo? Tem: tem muito segredo falar com ela. Não é nada simples para um homem. Sobretudo às cinco da manhã, quando o sono tem peso, a gravidade pesa mais sobre o corpo, e este, pesado de cansaço, já não tem forças para falar. Amar é dar o que não se tem: o amor começa às cinco da manhã - seria caso para dizer - quando, dando o que não se tem, se continua a falar com ela.

Mas não é nada fácil. Os homens inventaram muita coisa, fizeram muita coisa, como diria James Brown, mas grande parte delas aconteceu em silêncio. As regras do silêncio foram geralmente coisa de homens. O que é O Grande silêncio? Um filme (extraordinário, de resto) sobre homens que preferem calar-se em vez de falar com elas. Levando a coisa ao extremo, quase já não falam entre si. Calam-se. Se alguém é suposto falar com eles, é Deus: um grande silêncio para acolher uma palavra plena, a palavra de um Outro suposto saber dizer o que que falta no silêncio da fala.

Será que um homem é aquele animal falante que não foi genuinamente feito para falar? Sobretudo com ela. Quando ela lhe pede, às cinco da manhã (e por que não dizer a qualquer hora do dia): Fala comigo! Mas, não atendendo a isso, ela insistia com ele, às cinco da manhã: não durmas, fala comigo! E ele, não atendendo ao que se espera de um homem - ou porque estivesse a enlouquecer de cansaço àquela hora - falou com ela. Falou, falou. Continuou a falar. Até que o sono o venceu e um grande silêncio caiu sobre ambos.

Mais tarde, quando irrompeu a manhã e ela recuperou a fala, a primeira coisa que disse foi extremamente simples: Fala comigo! E ele, a primeira coisa que pensou: falar, para um homem, não é nada simples! Mas falou com ela.

2 comentários:

  1. Sou mulher, careço que falem comigo. É a essência do gozo feminino. O problema e que o Outro é sempre A barrado...S(A barrado)!!!

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