domingo, 5 de outubro de 2014

Indigestão de imagens

 «Eu tive uma indigestão de fotógrafos, de filmes e imagens que me perseguiram a vida toda.» (Brigitte Bardot)


Vivemos saturados de imagens. Elas estão por toda a parte, chovem de todos os lados. Não há guarda-chuva que nos proteja delas. Quer isto dizer que estamos hoje mais clarividentes, mais lúcidos ou que vemos mais e melhor?

Nada é menos evidente, tal como demonstra o belo documentário que tive a oportunidade de ver recentemente: Janela da alma. Recheado de personagens famosas (como Saramago ou Wim Wenders, por exemplo), ele dá conta, graças a uma série de testemunhos, de uma «espécie de cegueira generalizada» (Eugen Bavcar) que se aninha no próprio coração das imagens que nos chegam em massa.

A certa altura, Wim Wenders conta que por volta dos trinta anos tentou usar lentes de contacto em vez de óculos, mas deu-se conta de que, mesmo usando lentes de contacto, continuava a procurar os óculos porque, embora vendo bem sem eles, precisava de enquadramento. Como se visse de mais sem um tal enquadramento! E não queria ver tanto, mas de forma mais contida.

É evidente que falamos de alguém, enquanto realizador de cinema, que passa a maior parte do tempo a «enquadrar» o real. Mas, e se a questão fosse mais vasta, concernindo igualmente cada um de nós? Se houvesse um limite a partir do qual já não conseguíssemos enxergar por mais imagens que nos fossem dadas a ver? É o que Eugène Delacroix, por exemplo, escreveu sobre a fotografia: «se o olho tivesse a precisão de um vidro de aumento, a fotografia seria insuportável». Para lá de um certo limite, não conseguimos ver. É insuportável, impossível. Para já não falar do tempo, do seu limite. Como relembrava Wim Wenderes, hoje temos muitas coisas em excesso, nomeadamente imagens, a única coisa que não temos é tempo.

É por isso que Saramago, outro dos ilustres participantes, se perguntava, a certa altura, para quê a existência de tantos canais de televisão? De um certo ponto de vista, é sem dúvida notável, mas - e a comparação é dele - se alguém dissesse que passaríamos a receber quinhentos jornais por dia em nossa casa, não acharíamos isso uma locura? Como é que alguém poderia ler quinhentos jornais todos os dias? E que conclusões ou proveito retiraria de semelhante leitura? Impossível: nem haveria tempo nem proveito.

A crença ingénua de que basta aumentar a quantidade de imagens circulando em rede para que diminua a cegueira do olho (da inteligência, do conhecimento...) choca rapidamente com estes limites: o tempo, o (in) suportável), o impossível de ver. Não considerar tal impossível - exigindo sempre mais ainda - acaba por gerar uma infindável violência, uma pornografia das imagens.

Claro: como o olho não suporta tanta «realidade», acaba por sucumbir ao pânico (afogando-se literalmente num mar de imagens) ou, em alternativa, desenvolver uma estranha forma de insensibilidade: por mais imagens que veja, não fixa nenhuma. Nada permanece. Nada é retido. Nada se inscreve.

Não é o que acontece hoje, na era do facebook?

1 comentário:

  1. Passa-se o mesmo com a informação. Vivemos, cada vez mais, inundados por catadupas de informação. Nem por isso podemos afirmar que temos mais conhecimento das coisas...

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